Postagens

Sangue com pão e circo

Imagem
      O acontecimento, assim como muitas notícias das páginas policiais, durou apenas a quantidade cronológica das banalidades cotidianas, mas o fato ficou registrado na memória, fotograficamente. Acompanhar ocorrências de tragédias familiares e homicídios, como estes procederam, formas e métodos, nas páginas da “Folha-PE” era o deleite de todas as manhãs na década de 90. O mencionado periódico era caracterizado, graficamente, por exibir despudoradamente as cenos dos corpos em fotos com cores vivas, em ângulos estratégicos, minuciosamente bem ajustados para captar uma melhor qualidade da imagem, mostrando o resultado que iam desde assassinatos brutais, acidentes envolvendo veículos, atropelamentos, desmembramentos, entranhas expostas, vísceras escorrendo através do abdome, ossos saltando, peles esfolas, decapitações, globos oculares saltados para fora do crânio, dilacerações da carme, pedaços de massa cefálicas espalhados pelo chão. Aglutinação, pessoas das mais variadas ...

Pretérito imperfeito

Imagem
         Acordei com essa lembrança: o dia que deixamos Pilar-Ba para morar em Santa Cruz do Capibaribe. Trinta e cinco anos se passaram e recordo dessa cena como se o evento tivesse acontecido a poucas semanas. Acho que meus pais, ainda com algum vestígio de lucidez entranhado em suas mentes, tentaram fazer desse dia o menos traumático possível, ancorando na ideia do fingimento, “vamos fingir que hoje será um dia como outro qualquer, banal, rápido e desprovido de expectativas.” É claro que roteiros como este não teria uma conclusão esperada. E como a conclusão de toda história sobre ruptura, o resultado daqueles ruídos dia não seria diferente, permeado com lágrimas, com raiva, com medo e com dor (uma dor silenciosa, como a preferências costumam chamar).        Converso pouco sobre a Pilar-Ba, ou “A caraíba” como costumo chamar essa cidade perdida no meio do sertão baiano. Afirmei em certa ocasião, numa dessas conversas sobre crença re...

Sobre um livro - I

Imagem
                                                                                                                               Raras foram as vezes que toquei no assunto: narrar sobre os bastidores da publicação do meu primeiro livro. De fato, nunca me perguntaram, ou nunca tive a chance de dizer algo a respeito, careci da oportunidade. Mas aqui posso relatar um episódio dessa jornada. Na época o acesso a informações sobre como funcionava o processo de editoração de um livro eram restritos, pelo menos na realidade onde me encontrava. Trabalhava numa oficina rebobinado motores elétricos, o pouco dinheiro que conseguia era destinado a suprir as necessidades básicas da c...

O Herói rascunhado

Imagem
             O exercício da honestidade consiste no simples temor da possibilidade de uma eventual punição caso nossos atos ilícitos, sejam estes de maior ou menor nível de ignomínia cívica, seja evidenciado. Escutei de meu pai em certa casualidade, não lembro com exatidão qual afronta provocada e menos ainda a época, podendo aqui afirmar que tenha sido dentro da cronologia do período em que vigorava a adolescência, “caso faça algo errado, não olhe nos meus olhos, não irei na delegacia se lá estiver”, após escultar aquele ultimato, mais semelhante a uma condenação, percebi que minha bondade tem com alicerce o medo, com pouca porcentagem de qualquer conceito que abeirar-se do que entendo hoje sobre valores humanos. A vigilância e a punição, num pendular tênue, equilibrando vergonhas, sustentando a milenar ilusão humana entre o bem e o mal. Às vezes me debruço a pensar sobre “como seria o homem civilizado sem a vigilância e a punição”. Talvez um dia eu e...

As coisas e os seres

Imagem
         Algumas cenas me comovem; outras despertam repulsa; tantas mais apenas observo. Mas existe determinada porcentagem, estas na qual me debruço em rememora-las com ingênua obsessão sempre que me deparo com outra cena com semelhante significado, as cenas que despertam algum tipo de questionamento sobre nossa configuração como humanos habitantes da cronologia presente. Creio que todos carregam algum tipo de obsessão: em maior ou menor grau, patológicas ou restritas aos pensamentos. Encucar com cenas é minha perdição, perdi a esperança se algum dia amenizo de alguma forma. Lamento. Se questionar fosse função socia, e o “questionador” um profissional remunerado. Talvez hoje tivesse desfrutando de algum tipo de conforto financeiro.         “Casa das bolças” não tinha esse nome na fachada, mas era assim que todos a chamavam. Vendia, como apropria alcunha orienta, bolças de tantos formatos, modelos, características, consciência, que melho...

As memórias do centauro

     Dos muitos flagelos que nos perseguem, o ato inconsciente da comparação com os outros sempre foi, é e será uma constante a ser ressignificada. Vista a violenta desolação que essa postura pode provocar quando reagimos de alguma maneira, é sempre pertinente lembrar dos episódios que tive a oportunidade de vivenciar.        Acho que não foram poucas as vezes que relatei e que, assim como hoje, continuarei relatando casos em que me deparei com as barreiras simbólicas, invisíveis, que se manifestam no discurso coloquial falado e que, em muitos casos, não conseguimos detectar. Faço isso exaustivas vezes, quase uma obsessão em tom de patologia. Tudo o que é intangível e, em seus significados, nos escapa ao toque, de alguma maneira afeta nossa percepção sobre a maneira como somos interpretados. Não deveria isso fazer tanta diferença, mas, de uma forma ou de outra, nos afeta, excluindo o que verdadeiramente somos.         A casualidade ...

As memórias do centauro

Imagem
                                                A carne do ventre morto      Concluindo hoje a escrita do sexto capítulo de um novo romance de minha autoria. Talvez existam outros com uma proposta estrutural de texto semelhante, mas insisto na identidade única que este possa trazer aos possíveis e raros leitores. Narrativa em primeira pessoa com três personagens, numa imbricada e escalonada trama, estes reservados em suas falas e introspecções. “A carne do ventre morto” será seu nome. Quando esse título veio à mente de imediato me afeiçoei. Toda a narrativa acontece numa clínica pediátrica, dura os exames de ultrassonografia para colher imagens e condições de saúde do feto, ainda no meio da gestação de uma das protagonistas.       ‘A carne’ representado por Edgar Queiroz: desfrutou de considerável conforto advindo do dinheiro ...