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Mostrando postagens de fevereiro, 2011

Concerto de Egberto Gismonti no Recife (I parte)

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     Estava esperando as cortinas se abrirem. Engano. Não havia cortinas. Pois esperava, não por minha verdadeira vontade, o excesso em meio à simplicidade – assim como são os pensamentos perdidos entre muitos pensamentos. E aquelas cortinas que imaginei, de um anfiteatro isolado, perdidos entre ruas estreitas e escuras – o comércio dormia -, eram na verdade as portas da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Mas é certo pensar que naquele vespertino vestido de noite aquela igreja já não mais focava como igreja? Que o profano e o sagrado tramitavam numa acústica quase perfeita, de algarismos melódicos, como fantasmas espreitando outros fantasmas? Tudo se misturava. Não havia formas definidas. Abstrato como deveria ser, silencioso como as almas dos “Homens Pretos”, que entre suas paredes deslaçavam, acordariam de seu sono para povoar aquele salão carregado de instrumentos intrusos, porque eram suas realmente. Não acordariam aborrecidos com os aplausos. Pois aqueles aplau

O Garrafeiro (conto)

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     Não pude ver as mistura que fazia - ele jamais permitiu que ninguém visse, era um segredo, o seu segredo, e sempre carregando, creio, a certeza de que todos os segredos são tão frágeis e traventos quanto o próprio ato de carrega-lo.      Era o Garrafeiro de Santa Luiza, e não mais que isso. Pois era daquele jeito que gostava de ser chamado, “o Garrafeiro”, apenas. Passava o dia sentado à beira de um calor de brasas, mexendo um caldeirão com uma colher grande de madeira. Quem o visse, com sua indumentária apregoada por trapos, colocaria moedas no chão onde repousava seu corpo, sem antes lhe perguntar sobre suas necessidades ou conveniências neste mundo. Seu cheiro não era menos desagradável que os vapores que saiam do caldeirão e o cercavam – poderia ser noite, poderia ser dia, os vapores sempre e o cercavam.        Desde quando o vi pela primeira vez, percebi que nunca tinha qualquer preocupação com sua própria aparência ou com seus hábitos. Urinava aonde as decênc

O silêncio das Vespas

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Em O Silêncio das Vespas, o autor arquiteta narrativas com um olhar que capta cotidianos ambíguos e fantasiosos, explorando narrativas carregadas de um imaginário trágico e misterioso. Em suas páginas, representações ásperas de devaneios criados pelo inconsciente de personagens que não conseguem separar passado e presente: “Ela aguardava todas as noites a sua volta, sentada na rede de balanço, sentindo o vazio, como alma sem rumo. Com ansiedades de sentimentos que não amadureciam com o passar dos dias, com vestidos engomados e cheirando a ventos passados”. Na construção psicológica dos personagens, surgem conflitos vindos de acontecimentos do passado, mostrando narrativas que misturam realidade e mitos oriundos da relação intrínseca do tempo com a alma: “Não haveria como voltar, afinal, tudo passa. Mas havia conquistado a liberdade de estar ali, à beira de um rio de tempo, observando suas águas correrem na direção que a natureza impusera, observava, apenas”. Editora