Memórias do Centauro
Um acaso - 11.10.2023
O acaso, esse débil insubordinado dos
acontecimentos, nunca me presenteou com a previsibilidade, qualquer que fosse.
Por fato, sempre fui um catalizador de fatalidades, e, acredito, continuarei a
sê-lo. Tornou uma constante encontrar pessoas no qual preferiria não encontrar.
Sempre que as encontro os assuntos são tragados para algum abismo retórico,
permaneço no trivial – “como estais”, “tudo bem contigo”, “tem visto fulano”,
“nunca mais vi beltrano”, “e o trabalho”, até o entediante interrogatório
finalmente ser concluído com – “té mais, foi bom te vê”. Negarão, mas temos uma
percentagem comiserável de conhecidos no qual pesa a inadequação – o tempo e os
desprazeres do processo de maturidade revelam nossa aspereza, nossa apatia,
nossa inadequação com os próximos, mesmo que estes tenham para conosco uma
afetividade quase maternal.
Faz poucos dias, ou talvez tenha completado semanas, não contabilizei direito. Mas sucedeu de o acaso organizar quem iria atravessar meu caminho. Deparo-me com Marcone, com quem cultive uma amizade desde a época do Mega drive e Super Nintendo, foge-me da memória o contexto, mas tudo indica que foi em jogatinas destes consoles que nos conhecemos, nos identificamos, conversa vai, afinidades vem, e pronto, éramos unha e carne - serie negligente com o restante da epopeia, não caberia num texto curto. Hoje – me refiro o agora, nem pretérito, e tão pouco o futura, sinto um desconforto dilacerador de entranhas sem que me cruzo com este (ao acaso, esse coadjuvante sempre invadindo meus enfadonhos textos), a utopia uma sólida amizade extingue-se, como tudo mais um dia perecerá, em seu uma lugar um dantesco sentimento de repulsa, insólito, vaporoso, etéreo, indistinguível, mas nunca beirando a indiferença, evito reações apáticas para minhas piores desavenças – esta, quando prospectada, é peçonhenta para ambos no contexto de rivalidade. Opto por dissimular a cortesia, não sei por ingenuidade ou por consciência dos colaterais em meu organismo, não quero ser uma vítima de qualquer somatismo. Decidiu Marcone assimilar o bolsonarismo, esse manto neofascista mesclado com as fantasias ressentidas de neonazismo. É claro que eventualmente ou inevitavelmente, todas as características que compõem a patologia dessas ideologias iriam aflorar no comportamento de Marcone, assim como, baseado em evencias, muitas outras pessoas tenham vivenciado o mesmo tipo de comportamento em pessoas próximas, amigos ou parentes embrionários. Repeti a mesma trova: -“tudo bem contigo”, “tem visto fulano”, “nunca mais vi beltrano”, “e o trabalho”, alterando aqui e ali a ordem dos enunciados. Me despedi: “ Até mais, bom te vê.” Um repertório de sensações obscuras voltou a destorça-me por dentro. Não saberia responder, apenas refletir sobre o que poderia ser de fato: se uma nostalgia sepultada, quem sabe minha incapacidade ou incompetência para dialogar com pensamento, comportamentos ou atitudes abjetas, ou, quem sabe, estava eu a perceber sentimentos incompletos. Ficamos parados por alguns segundo, forçando gentilezas e sorriso secos, nos despedimos. Três coisas percebo serem verdades: tenho mais medos de Marcone do que apatia, sou péssimo para cultivar amizades com a classes elitistas e que irei escrever mais sobre Marcone, caso ainda esteja vivo. O peso da personalidade que recriou para si se faz notar a centenas metros: sempre com a guarda corporal ouriçada, como se estivesse prestes a entrar em alguma contenda: se sente ameaçado com a diversidade, discrimina quase tudo que não faça parte da esfera fundamentalista evangélica a qual pertence, cultiva demônios das mais variada legiões, Demônio do socialismo, Belzebu das ciências humanas, Kramunhão das pautas indenitárias, Satã das classes baixas, Tinhoso do progressismo, Maligno da diversidade de crenças, etc e etc. Parece agarrasse a uma espécie ânfora de ressentimentos, penosamente carregada a qualquer lugar que vá. Se entope de medicamentos para desacelerar suas ânsias, que vão despe antidepressivos a marteladas de ansiolíticos. Tornou rotina em temáticas de conversa as “brigar que Marcone se envolveu”. Posso aqui, antes de finaliza esse entediante texto, contar-lhes parte de suas biografias, em curtas linhas: estudou nas melhores escolas da cidade, teve total respaldo do entorno família, e pessoas próximas como eu, a quem o incentivava em praticamente tudo, conseguiu graduação, metrado e doutorado, circulava pela cidade em carros de elevado valor. Enfim, possuía tudo, mas preferiu sua ânfora de ressentimentos.
Acredito
que toda admiração quando expressas explicitamente, em voz alta ou em adulações
de qualquer tipo, cai na falibilidade, enfraquece o que verdadeiramente somos.
Damos como exemplo aqueles que nunca nos admirarão. O trágico desfecho das
escolhas de Marcone, seu mais destruidor terror, foi ter se transformado num
arquétipo a qual ninguém quer espelhar. Um anti-herói sem antagonistas,
solitário e cercado de demônios imaginados, a observa-lo em cada esquina. Marcone
seria o que poderíamos classificar de um individuo atormentado por suas
frustrações, a vagar pelo que lhe restou de cotidiano, numa diáspora de si
próprio. Efetuando suas ruminações como uma espécie de refugio (ou talvez um
vício), quem sabe um abrigo que o proteja contra a entediante rotina que
cultuava. Marcone sentirá a necessidade pueril de enxergar inimigos onde se
pondere calmaria, verá serpentes onde gravetos ali sempre estiveram. Foi
educado a enxergar a deformidade nos rostos das pessoas que não pertence a sua
atmosfera religiosa evangélica – a fronteira simbólica entre os convertidos e
ou mundanos, estas últimas vistas como seres desprovidos de qualquer virtude e
condenados sofrimento, como se um ritual de batismo o protegesse de qualquer
angustia e insatisfação. Acredito no pior, aceiro meu pessimismo. Fico
imaginado como seria um Brasil cuja uma população de cinquenta-por-cento
eleitoralmente ativa fosse formada por Marcone’s:
evangélicos/bozonaristas/ressentidos/neo-nazifascista ornamentados com comportamento
de sociopatia-histérica, principal traço destes grupos. Acreditem. Estamos
quase chegando a esse montante. Costumo fazes as pazes com o acaso quando
percebo que este sempre foi mais cômico dos que trágico. Mesma sorte não teve
Marcone onde suas irremediáveis escolhas sempre o conduziram a uma
intransigência de ideais conservadores. Que Atena me livre dessas
escolhas.
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