Liceu Cândido Cruz
A coordenação do Liceu Cândido Cruz tinha
como uma de suas prioridades a entrega do histórico das disciplinas estendidas
sempre na data estipulada. Recebi o meu acompanhado com selo amarelo de
advertências - uma cor pálida como o amarelo para representar melhor o sentido
de advertências, de perigo, mais adequado do que o vermelho, como normalmente é
utilizado para provocar alarme ou algum desespero nos alunos. Sim, fiquei temeroso,
como normalmente seria de ficar. As notas pendulando, ora para uma média de aprovação,
ora para uma fração abstrusa de uma possível reprovação. Final do primeiro
semestre do último ano do ensino médio, poucos planos, apenas sonhos indecisos,
confusos, pouco entusiasmo como foram os outros finais de ano letivo. Lembro
quando não existiam essas disciplinas estendidas, era mais fácil. O Centro de
Adesão ao Conhecimento instaurou o Plano Base de Conhecimento Humano (PBCH), propondo
melhorias no entendimento sobre nossa espécie. Lembro que época todos largaram
suas predileções políticas para acreditar no enlouquecimento do então ministro
da educação Ameríndio Figueroa, que de tão visionário acabava por despertar um
considerável desconforto nos mais conservadores. O Liceu Cândido Cruz foi
escolhido como primeira instituição de ensino no país para receber o projeto.
Um teste ser feito em um prazo de quatro anos. pertenci a primeira turma que
colheu o Plano Base.
Bons
tempos aqueles em que não precisávamos passar horas refletindo sobre solidão,
assunto demorado, lento, dramático, ter “solidão” como componente curricular
nas escolas fazia parte do Plano Base de Conhecimento Humano, no princípio
imaginei, “seria fácil, ate empolgante”, mas depois começaram a surgir os
entraves, o tema estava permeado de tabus, incertezas, material didático
restrito, confuso, pouca aplicabilidade, sistemas docente despreparado para
acolher disciplinas como esta e outras que estariam prestes a serem
implantadas. Seria o conhecimento desse estado de isolamento, provocado por
imensuráveis motivos, que ate as mais desbravadas ciências da psique, ou a
povoas suas origens em dimensões metafisicas, possível de ser aplicado e
desenvolvido nas instituições de ensino. Perguntas que todos faziam uma para o
outro ou para si mesmo. Séries fundamentais e intermediarias recebias os
primeiros compêndios. Lembro que eram recebidos com tom de receio. Em meia a
devaneios ou delírios – visto que na época era o que quase todos acreditavam -
provocados pelo ímpeto dos sonhos do então ministro Ameríndio Figueroa de
instaurar as reformas do Plano Base de Conhecimento Humano, deixou escapas que
de imediato não haviam profissionais de ensino capacitados, especialização em solidão
para professores, quem iria adivinhar experimentação desse tipo poderia ser
aplicada. Sistematizar o estado de isolamento, essa penumbra que invadia os
sentidos e que muitas vezes pode ser provocado distorções na própria mente de
quem a carrega, ainda um mistério, não seria tarefa simples, estava muito
distante das ciências de calculo ou estudos da língua. Não se pode ver a
solidão. É certo que ela sempre infligiu o espirito humano, sempre orbitando
nosso cotidiano.
Lembro-me do primeiro dia de aula da
disciplina. Professor Jean Martines nos entregou um esbouço contendo o conteúdo
das aulas. Imagens das pinturas de Edward Hopper ilustravam os textos. Me
chamou a atenção de imediato, pois estava familiarizado com algumas, provocando
em mim um certo transpirar de alívio. Um pintor que retratava a solidão na
modernidade, dizia Jean Martines. Quanto aos textos: poucos fragmentos,
citações de grande pensadores que, dentro de suas obras, abordaram o estado de
isolamento. Mesmo conduzindo as aulas, era possível perceber em sua fala um
ausência de segurança. O próprio Jean Martines poderia não saber ao certo o que
estava fazendo. Talvez ele mesmo nunca teria experimentado a assunto que tentava
abordar. Nossos depoimentos eram o verdadeiro fio condutor das aulas. Não
estava ele preparado para abordar ou, pelo mesmo, tentar uma interpretação dos
pensadores. Talvez tenha percebido que se deparava com relatos de experiências.
Viu-se impregnado de duvidas. O suor encharcava-lhe a camisa. Todos percebiam.
Pobre professor Jean Martines, se encontrava sozinho, perdido em dúvidas,
cercado pelos olhares atentos e julgadores dos alunos. Sua imaginação a lhe
trair ao instigar pensamentos de incapacidade, ou de falta de controle. Tropeçava
nos próprios sapatos. Inventava histórias sobre metodologias espalhafatosas que
aprendida não sei onde. Era seu fim, juguem ironicamente. Dos inomináveis e
inumeráveis estados de isolamento que podemos experimentar, Professor Jean
Martinez talvez estivesse vivendo. Em dada aula, não lembro qual, a percepção
coletiva indagou Jean Martinez, começamos a sugerir como poderias ser os
trabalhos para avaliação, antes que o céu pudesse eclipsar por completo sobre
sua cabeça, ou o chão sob seus pés atolar-lhe em profunda perdição de
conhecimento, pedi permissão para falar, uma rara atitude, dessas que fossa de
tempos em tempos. Sugeri que procurássemos outros textos, na biblioteca ou em
nossas casas, que pudessem trazer um acréscimo as discursões. Nunca fui um bom
aluno. Era o mais velho da classe, devido a desistências ou reprovações. Não
era o melhor aluno, mas poderia me considerar o mais maduro, assim sendo, podei
perceber o teor e a importância do que estava acontecendo. Estávamos tendo a
oportunidade de aprofundamos em nossas mais intensas, e quase confessionais,
investigações sobre nós mesmos. Talvez tenhas descoberto algo que até então não
percebia, gostava de observar a alma humana sobre outros ângulos. Na ocasião, o
professor Jean Martinez, percebeu a pertinência da sugestão que dei. Rendeu-se
pela urgência, porque não lhe restou, de imediato, mais opções. Mas teve este a
oportunidade de não retorcer-se ao a breve instante de controle e maestria do
aluno intrusivo. Os poucos segundos de atenção de todos que eu havia
conquistado se perderam na maestria de como Jean Martinez tomou por rédeas minha
ideia. Reciclou-a. É claro, não teria intenção de me colocar como salvador da
aula, ou de tê-lo ajudado em seu obscuro momento de ausência de ideias. Pesquisar
e elaborar um breve texto, foi a tarefa barganhada entre os alunos e Jean Martinez.
Na
correria pensei em expor a carta de Pedro Américo me deixou. Nunca descobri que
tipo de mal o infligia. Lembro dele como alguém que a poucos minutos estive me
despedido com um ‘até logo’. Falava pouco sobre si mesmo. Poucos amigos, ou
tinha como predileção a política cautelosa da desconfiança, uma boa política
preventiva para uns, mas para outros era mais desses estranhos apáticos e excêntricos
que ficava a vagar pelos corredores do Liceu Cândido Cruz, sozinho e com os
pensamentos em outras dimensões ou em outras épocas. Sendo alvo dos constantes
cochichos maliciosos, fruto talvez de alguma antipatia gerada pelo seu estado
de silêncio. O que mais se podia observar na escrita da que carta que me deixou
era o tom de uma atmosfera desértica que se colocava. Metáforas como planícies
ou quilométricas estradas compunham sua ambientação. Qualquer senário que não
se pudesse ver onde termina parecia lhe transmitir sentidos, optava sempre por
estas, e escrevia que sempre percebia quando estava diante finitude dos
objetivos lhe causava desconforto, inquietações, medo. Sentia medo quando se
colocava diante da possibilidade de ter chegado ao final da jornada. Sentia
medo da plenitude, pois esse significava o final de tudo, que outras jornadas
poderiam não existiriam. Preferia o indefinível. O incolor lhe atraia. As
repetições lhe eram doentias. O desconexitividade das coisas lhe desafiavam. O
abstrato era confortante. Talvez por isso gostasse de pinturas impressionistas,
ou de qualquer resultada advindo do imaginário mais espontâneo. O Liceu Cândido
Cruz não era mais seu lugar. De fato pelo que pude entender de sua carta
qualquer lugar não seria. Pra onde ele fosso seria perseguido por questões que
nem mesmo ele seria capaz de responder, quais sabores deveria experimentar,
quais prazeres deveria viver, quais paisagens deveriam ser vistas, color ou
incolor, qual caminho deveria seguir, quais perguntas deveria responder, ou
quais respostas deveriam ser dadas, quem deveria receber seus afetos, o que são
sonhos, o que ele realmente procurava, onde encontrar, como encontrar a si
mesmo, estariam as pessoas a sua volta fixadas a uma ilusão de um mundo que
corre uma ordem, estaria ele preso dentro de corpo com algum distúrbio
psiquiátrico. Escreveu na carta que se sentia como se caminhasse em uma estrada
cercada em ambos as lados por telões que exibiam a todo instante imagem de
todos os cotidianos que já viveu, imagens de pessoas que ele conheceu, imagens
de palavras ouvidas ou lidas, imagem de melodias ouvidas, uma estrada que nunca
chegava a algum destino, uma histórias sem desfecho, que estivesse sempre a ser
narrada, interruptamente.
Curiosos: agora, anos após sua partida,
foi que o projeto experimental do ministro Ameríndio Figueroa, após as reformas
do Plano Base, como a aplicação das disciplinas estendias, e como suas
possíveis reesposas venho perceber que Pedro Américo poderia está vivendo em
algum tipo de estado de isolamento. Quem sabe se ele não seria um dos melhores
alunos do componente curricular “solidão”, ministrando aulas e construindo uma
carreira e conquistando carreira de sucesso (é claro que isso é só ais um dos
meus devaneios, afinal, nutrir devaneios não é crime), mas seria quase certo que
ele haveria de fluir mais o que sentia. De desvendar e redescobrir uma
inteligência que poucas conheciam: Pedro Américo conheceu uma fração de si
mesmo, há de ressaltar que são raros os que se atrevem a observar. Pedro
Américo conhecia como poucos o estado de isolamento. A história dele me
garantiu uma boa média, ao mesmo instante que garantiu a Jean Martinez uma
orientação para trabalhar toda a disciplina durante o ano letivo, é claro sem
que me tenha ofertado qualquer bonificação nas notas ou alguma predileção como
aluno.
O Plano Base, e as disciplinas
estendidas será extintas nos próximo ano. Os motivos que deram foi a falta de
viabilidade do projeto: alto custo; ministro
da educação Ameríndio Figueroa foi encontrado morto seu apartamento, com a
suspeita de suicídio. Mas na realidade a indústria da saúde enfrentava, nos
anos em que o plano base foi posto em prática, uma gigantesca queda na sua
arrecadação, psicólogos, psiquiatras e indústria farmacêutica amargavam
prejuízo quase incalculáveis. Afinal ter como disciplinas como: solidão, medo, sentidos,
memória, morte. Serem aplicadas nas escola poderia de alguma forma influencias
nossos sentido pela existência. Ficará na minha memória esse tempo que a escola
nos preparava para conhecermos o que, certamente, iriamos a conhecer no futuro,
talvez estaríamos preparados, talvez não. Mas aqueles poucos anos, aqueles em
que a “sombra do conhecimento” sobre nos mesmos pairou sobre nossas
consciências, assustando, abstraindo a ordem das coisas. O Plano Base seria
extinto, o Liceu Cândido Cruz enfrentava o quase fechamento devido ao termino
do projeto. Mas eu havia completado a
média que precisava. Não é isso que todos queriam? Edson Moura
Comentários
Postar um comentário