Conserto de Egberto Gismonti no Recife (III parte)
Que o conhecimento
humano ainda não concluiu a resposta sobre a pergunta: ‘Quando e onde o perdão
acontece,’ é de fato a mais elementar das conclusões. O estudioso da alma dirá,
em tom reticente, ‘não existir uma resposta’; o estudioso da pisque dirá, em
tom reticente, ‘não existe uma resposta’; o senso comum dirá, em tom reticente,
‘não existe uma resposta’. Mas uma fenómeno podemos concluir em suas diversas certezas;
quando este acontecer, sentirá seu corpo em sua plena licitude. Sentirá o dia e
a noite terminando. Sentirá uma vida terminado, um coração alheio, invasor, se
desfazendo em fragmentos, a correm por nossas veias como um liquido quente e atenuante.
Sentirá uma remota lagrima, que escapa de seus olhos, coagulando como o pus de
uma ferida que as células decidiram que era chegado o momento de trabalharem e
de velarem aquela fenda que teimava em permanecer aberta. Em meio à multidão
que não conseguiram um lugar estratégico para apreciar melhor o concerto que
guia se repertório, com a mais absoluta fluidez, mas que não se queixavam por
este inesperado pormenor, sentia que a divisão rítmica, naquele compassar de
notas se tornou tão alto que já não escutava mais aquela estranha e silenciosa
agitação cardíaca. Talvez os movimentos hipnóticos de Egberto na função de
regente, que a cada movimento brusco me acordava dos pensamentos, me colocava
naquele estranho estado da calma, que a aquela mansidão a muito distante das
tempestades das magoas agora me causava estranheza. É com o açoite de um “ponto
final” que se tem início as ondulações das dúvidas. Uma senhora que estava ao
meu lado me perguntava sobre aquela estranha, desconcertante e bela música que
estava a ouvir pela primeira vez. Sorria apenas. E se sorria era porque estava
gostando, quando disfarçava o sorriso, simplesmente por respeito desnecessário de
adulto, e ela esquecias que todos ali eram crianças. Sorrir para senhora em
reciprocidade, mas não pela conveniência dos intuitos recíprocos, e sim, por
saber que por uns poucos momentos sentindo que não mais existiam na alma, nem
lágrimas nem sangue. E se terei mais a aprender sobre o incalculável momento do
perdão, isso só em outro concerto saberei.
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