Concerto de Egberto Gismonti no Recife (I parte)

     Estava esperando as cortinas se abrirem. Engano. Não havia cortinas. Pois esperava, não por minha verdadeira vontade, o excesso em meio à simplicidade – assim como são os pensamentos perdidos entre muitos pensamentos. E aquelas cortinas que imaginei, de um anfiteatro isolado, perdidos entre ruas estreitas e escuras – o comércio dormia -, eram na verdade as portas da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Mas é certo pensar que naquele vespertino vestido de noite aquela igreja já não mais focava como igreja? Que o profano e o sagrado tramitavam numa acústica quase perfeita, de algarismos melódicos, como fantasmas espreitando outros fantasmas? Tudo se misturava. Não havia formas definidas. Abstrato como deveria ser, silencioso como as almas dos “Homens Pretos”, que entre suas paredes deslaçavam, acordariam de seu sono para povoar aquele salão carregado de instrumentos intrusos, porque eram suas realmente. Não acordariam aborrecidos com os aplausos. Pois aqueles aplausos também era para Baden Powell, que também via de longe, ou de perto, quem sabe. Aquelas notas despertaram tudo que dormia: contentamento, lembranças e o dia belo que estar por vir, pois naquele momento era noite.
        Não pude entrar. Confesso. Pois não havia, lá dentro, espaço que suportasse os meros curiosos e os que ansiavam há muito tempo para ver e ouvir. Mas é de música que falo. Não foi necessário mais que um sentido para perceber que o espaço que não existia dentro, se expandia fora. Para meu espanto, e talvez para o espanto daqueles que estavam comigo, descobri que gostava daquela música mais do que imaginava. As melodias me deixaram consciente. Melodias de uma música tranquila: “O palhaço”, que instantes calou alegrias e tristezas. Pois dormíamos enquanto Os Homens Pretos celebravam e desfrutavam seus prazeres. Enquanto nós, surdos por aquela música, não podíamos fazer outra coisa, a não ser ficarmos quietos; ouvido e mendigando com nossos olhos por lugar aonde pudéssemos ouvir e também ver. Porque só ouvir era pouco. Porque noite de concerto. Concerte de Egberto Gismonti.
         Os Homens Pretos nos viram e as portas se abriram. Podemos ver afinal.                          

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